Semana passada no Pacífico Noroeste, uma das regiões mais bonitas dos EUA, eu tive a satisfação de participar pela terceira vez consecutiva do evento: A Terceira Nadada Internacional do lago Sammamish. O evento consiste em atravessar toda a extensão de um lago, nadando! No primeiro ano eu fiz a travessia de kayak, no segundo de paddle board (aquelas pranchas que você rema em pé) e agora eu tenho o orgulho de dizer que após “muito” preparo eu finalmente atravessei toda a extensão com a equipe que nadava com os próprios braços e pernas!
Para me preparar, no dia anterior eu medi a distância entre dois pontos no lago com o googlemaps e comparei com a distância a ser percorrida: Dava 1/16 da distância total. Ou seja, se eu fosse e voltasse 8 vezes eu provaria que seria capaz de realizar a façanha! Na primeira tentativa, antes mesmo de chegar ao ponto marcado eu já estava colocando os bufes para fora e tentando boiar de cara para cima para poder descansar. Eu já estava conformado de que não seria dessa vez que eu atravessaria nadando. Quando Lynn, uma moça de mais de 70 anos me chamou para fazer parte da equipe dela eu meio que, ehrr, sem jeito, disse: “uhmm claro, porque não?! A gente pode tentar!”
A dúvida que pairava na minha cabeça não era se ela conseguiria, mas se euzinho seria capaz de nadar os mais de 2 km de extensão! Eu já cheguei a nadar muito quando criança, mas depois dos 10 anos de idade nunca mais pratiquei e tinha nenhuma confiança em conseguir chegar do outro lado. Ainda assim aceitei o desafio, já que afinal estaríamos sendo escoltados por outros barcos, kayaks e paddle boards.
Você provavelmente já ouvir falar nesse evento, certo? Não?? Reúne pessoas de todo mundo e cerca de 10% dos participantes vieram direto do Brasil! Eu e o Rafael. Os outros 18 ou mais participantes vêm do México, Chile e de outros estados americanos. Brincadeiras a parte, é um evento pequeno, familiar mas não deixa de ser especial pela sua causa. Fazemos essa travessia em homenagem à uma das pessoas mais especiais que conheci nas minhas viagens: Barbara Louis Johnson, ou simplesmente: Barb.
À um pouco mais de 1 ano ela nos deixou tomada pela terrível doença de Alzheimer. Se você ainda não conhece minha relação com ela e sua família e o motivo por eu ter mandado colocar no prefixo do avião monomotor que pilotei do Canadá ao Brasil suas iniciais, confira a história aqui.
Mas qual a relação entre Barb e a travessia no lago? Antes que a doença a tomasse por completo, Barb mantinha sua espiritualidade e simpatia e ela teve a ideia de reunir todos seus amigos e familiares para atravessarem o lago em frente à sua casa, mesmo sem lembrar o que ela tinha feito 10 minutos atrás ou com quem ela tinha conversado ou sobre o que. O que impressiona é que apesar dela aos poucos ir perdendo a memória, ela não deixava de lembrar que antes dela partir ela fazia questão de atravessar o lago e queria que todas as pessoas queridas a ela estivessem presentes.
Ela não tinha mais noção de que já não tinha as condições físicas e mentais para poder fazer a travessia, mas como uma das regras ao lidar com uma pessoa com Alzheimer é não contrariar, raciocinar ou falar não, com um sorriso todos concordávamos: Sim Barb, vamos todos cruzar o lago nadando! Eu estava na sua casa uma vez quando ela caiu da escada e após bater a cabeça, fiquei no chão com ela convencendo-a a levá-la ao hospital. Quando chegamos no salão de urgência, com a cabeça ainda sangrando, ela com aquele sorriso único no rosto, mantinha o humor fazendo piadas com os médicos e com as enfermeiras. Após conquistá-los com sua simpatia ela disparou o seu convite: Vamos para a minha casa e nadar no lago!
Esses flashes de lucidez nos trazia uma alegria imensa porque apesar da doença avançar rapidamente, mostrava que a Barb, mãe da Kristine e do Meade e esposa do Don ainda estava ali apesar das dificuldades. Quando a doença avança e leva a fala, a coordenação, a capacidade de fazer as coisas básicas como comer e ir ao banheiro, a única coisa que resta é o olhar. Eu lembro de passar bons minutos olhando em seus olhos tentando entender o que eles comunicavam, tentando encontrar a pessoa que fez tanta diferença na minha vida, tentando entender o que estava acontecendo e porque isso tinha que acontecer com um ser tão bom como ela. Sei que é besteira tentar entender a vida de vez em quando. Sei que todos nós vamos sofrer com as perdas, mas é exponencialmente mais difícil ver uma pessoa tão querida ainda respirando, te olhando nos olhos mas ao mesmo tempo não estando mais ali, por meses, as vezes anos. É como se restasse apenas uma carcaça evitando que sua alma partisse para seu devido lugar.
A primeira vez que cruzamos o lago em sua homenagem ela estava nesse estágio, ainda com “vida”, mas sem poder ver e participar de sua homenagem. Seu coração ainda batia mas ela não tinha mais condições de entender o que aquilo tudo significava. Um ano depois, sua partida trouxe sim muita tristeza, mas ao mesmo tempo trouxe um certo alívio. Sua alma já não estava mais naquele corpo atrofiado e de um lado nadar em sua homenagem faria um pouco mais sentido. Seu corpo não estava mais ali, mas a impressão que fica é que depois que ela faleceu ela estava ainda mais presente, bem viva talvez apenas na nossa memória ou por quê não também participando com a gente de sua dimensão?
Nadar toda a extensão do lago até que não foi tão difícil quanto eu imaginei, apesar de termos chegado na última posição. Mas a alegria com que atravessamos talvez fosse a prova de que tivéssemos de fato a presença de quem tanto amamos. Eu, a Lynn e outra moça com mais de 70 anos levamos uma hora para nadar todo o percurso e chegamos quase sem fôlego, mas com um sorriso no rosto!
Quando eu faço amizades com pessoas mais velhas do que eu, muitas delas me fazem perceber que envelhecer nada mais é do que uma opção. Não nego que com o passar do tempo, vamos enrugando, ganhando dores aqui e ali, mas tem gente que não parece envelhecer nunca. Não me refiro a quem mantém a beleza de 10 anos atrás mas quem mantém a atitude de não parar no tempo. São pessoas como a própria Barb que não querem parar de aprender, conhecer, explorar, que mantém suas opiniões e crenças flexíveis, que estão atentos às novas ideias, que não ficam lamentando os bons tempos que se foram sem se esforçar para manter os tempos atuais tão alegres quanto os de antigamente. E principalmente os que apesar das dificuldades não as usam como desculpa para viver ao máximo. Sou grato à todos os moços e moças experientes que encontro nas minhas viagens e que já me ensinam desde cedo à não envelhecer: Betty, Barb, Hebe Camargo, Cláudio Barros, Lynn, Don e claro minha avó com seus mais de oi.. (deixa pra lá) que provavelmente chegou à esse post através de seu facebook ou instagram!
As vezes uma doença terrível como o Alzheimer chocalha sim nossos alicerces. Não é apenas difícil pensar positivo nessas horas mas é quase um ultraje. Ainda assim apesar da vida nos dar esse tapa na cara, a gente que fica acaba despertando para valores que talvez negligenciamos durante muito tempo, começamos dar o devido valor às pessoas e experiências que passariam quase despercebidas na nossa caminhada na Terra. E para nós que ficamos fica a responsabilidade, preocupação e empatia às famílias que passam pelas mesmas dificuldades. Transformar esses sentimentos em algo prático é uma opção pessoal. E a escolha da família e dos amigos da Barb é se reunirem todos os anos apesar das diferenças pessoais, para recordar não somente de uma pessoa que nos foi muito especial mas para lembrar de seus valores, exemplo de vida e das lições que ela nos deixou. Mas a família Johnson ainda vai além.
No próximo sábado estaremos todos em uma caminhada em Seattle de conscientização e para arrecadação de fundos para o fim do Alzheimer. Sei que a maioria não poderá vir para caminharmos juntos, mas considere participar de uma causa que ajuda milhões de outras famílias em todo o mundo lidando com essa doença e ajudando a Associação do Alzheimer a avançar nas pesquisas de prevenção, tratamento e cura.
Na carta enviada à seus amigos, Kristine, filha da Barb conta como foi o último ano: “Eu tive tempo de sentir sua falta e relembrar da mãe e mulher impressionante que ela foi, não quem ela se tornou com a doença. Tem sido uma bênção, mas tem sido muito difícil. Uma bênção porque essas são as memórias que eu quero lembrar para sempre, mas triste porque eu tenho tempo para pensar sobre o tamanho da saudade e o desejo de que estivéssemos ainda criando memórias. Um dia não passa sem que eu pense sobre ela.”
Se quiser contribuir com essa causa em honra da Barb ou de qualquer pessoa que você conheça que passa ou passou pelas mesmas condições, considere clicar nesse link e fazer a doação de qualquer quantia. Mesmo que seja simbólico, tenho certeza que terá seu valor. Talvez as lágrimas que tanto caíram e ainda caem com sua lembrança não sejam por vão.
É bem simples doar, mas como está em inglês aqui vai o passo-a-passo:
2.Clique no botão verde: DONATE TO MY WALK
3.Selecione o valor que quer doar, você pode selecionar “other” e colocar o valor que quiser. Atenção, em vez da vírgula, nos EUA se usa ponto para separar os centavos. Para doar 10 dólares, coloque assim: 10.00 sem vírgula!
4. No campo embaixo de “Donor Recognition” você pode colocar seu nome, deixar em branco ou melhor ainda, escrever “Brazil to BLJ”, para a família saber que tem gente brasileira se importando com a causa!
5. Depois é só completar as informações com (na ordem): Primeiro Nome, Último Nome, e-mail, endereço, cidade, estado (selecione a opção NONE), CEP e país. No “Payment Method” coloque o número do seu cartão de crédito, data de expiração e o código de segurança do cartão. Clique em “Complete Donation”. Pronto! Qualquer dúvida é só escrever aqui nos comentários mesmo.
Caro Gusti,
conheci seu blog tem pouco tempo e preciso de lhe falar que não só fiquei bastante impressionado com a lucidez e clareza dos posts como tambem tem sido uma grande fonte de inspiração.
Perdi um avó para o Alzheimer e entendo um pouco sobre a doença. Achei sua maneira de ver e refletir sobre a doença e a velhice muito bonitas.
Enfim, estarei tirando um ano sabatico a partir de Janeiro de 2015 e confesso que as vezes imagino ou sonho me tornar uma nomade digital e ficar mais do que um ano viajando. O tempo e as viagens irão me ajudar a refletir.
Obrigado pelas dicas, historias e inspiração. Grande abraço!
Tiago Correa
Olá Tiago!
Que bacana o seu comentário, fico feliz que tenha curtido o blog, seja bem vindo e por favor, volte sempre! Vou querer saber como anda seu ano sabático, de vez em quando vem aqui deixar seus comentários!
Um abração!
Podemos envelhecer fisicamente, mas a disposição só fica sem quem quiser. Barb é um exemplo para muitos por ai, de como a força de vontade vai além dos limites humanos. Parabéns pelo post e também por esse seu lindo corpo!
😉
Ei Flávia! Principalmente disposição mental não mesmo? Valeu! 😛 🙂
Tanto quanto você, Gusti, eu creio que envelhecer é algo opcional. Para mim, o espirito não tem idade, é o envelope que se desgasta com tempo. Gente que tem espirito forte vão sempre lutar contra obstáculos e limitações que o corpo traz ao envelhecer. Engraçado, não é, se você pensar bem, uma das coisas que acabam se apresentando como o maior obstáculo a nossa liberdade não são autoridades, ditadores ou um estado cruel: mas o nosso próprio corpo… e eu admiro muita pessoas quinem a Barb que lutam contra doenças devastadoras como Alzheimer até o fim, nunca se dando por vencidas, sempre reivindicando a liberdade de movimento, de expressão, de consciência e de ser feliz. Mesmo que para os outros Barb parecia estar tomada pela doença, ela lutava, ali dentro, pela sua liberdade… e ela a conquistou, se tornando o que há de mais livre nesse mundo: o vento… sopro que leva liberdade para aqueles que a almejam… vento que foi lá no dia seguinte libertar o seu avião, e que sem dúvida continua a soprar na direção de seus sonhos, tornando o seu caminho mais livre!
No mais, é isso ai, Gusti! Um dia desses, vamos bater um papo sobre os ventos de liberdade e de mudança que sopram em nosso mundo!
Abraços!
Gostei da sua perspectiva Lucas! Talvez quem não parece velho apenas não desiste de lutar pela liberdade! Sempre bom ler seus comentários! 🙂
Abração!
As únicas coisas que possuímos de fato são as relações que criamos e as memórias do que vivemos, e é por isso que o Alzheimer é uma doença tão triste, pois te tira esse direito tão genuíno de lembrar das suas experiências e todos os sentimentos envolvidos.
Bonito gesto em homenagem a Barb!
Essa história me emocionou muito, Gustavo!
Oi Dani, verdade! E acho que nesse caso a família sofre ainda mais do que o paciente que muitas vezes perde a noção e a consciência do que está de fato acontecendo. Muitas vezes eles sabem que tem a doença mas não tem noção do grau ou o quanto já avançaram…
Um abraço!
Fico feliz de ser uma das pessoas que teve o privilégio de conhecer a barb quando, apesar de os sinais da doença já estarem aparentes, ela ainda podia se comunicar, perguntar qual a nelhor parte do meu dia e, claro, me convidar pra nadar no lago também haha. Um dia participarei da travessia, nem que seja com colete salva-vida na categoria de quem não sabe nadar!
Pois é Felipe, faltou você! Você pode fazer igual o Meliton também que foi inçado por uma corda preso ao barco! 😛 Abração!
Aí sim.. eu e ele fazendo juz ao estereótipo americano de que latinos não sabem nadar haha