Semana passada eu tirei essa foto:
Adivinhe onde eu estava? O título pode te dar uma dica… Não, não estou de volta à Africa ainda e a Gambia é um dos países africanos que mais quero conhecer mas enquanto isso não acontece aceitei o convite da minha amiga gambiana para assistir um concerto tradicional em Seattle, onde eu estava, de um artista famoso em sua cidade natal, Brikama.
Uma das vantagens das cidades grandes nos EUA é a presença da mescla de culturas e povos. No estado de Washington por exemplo já estive em um casamento mexicano que se não fosse a temperatura do inverno lá fora do salão eu juraria que estava no México. Toda semana se você estiver atento, pode encontrar festas e encontros tradicionais de outros países acontecendo na maioria das cidades grandes norte-americanas, é como poder viajar sem sair do lugar.
Apesar de estar me divertindo com minha amiga africana e seus filhos durante o evento algumas coisas começaram a me incomodar e da mesma forma como acontece com frequência quando viajamos ou mesmo ouvimos notícias de outros países e nos deparamos com uma cultura diferente da nossa, de forma quase inconsciente muitas vezes nos apropriamos do papel de advogado e julgamos a cultura alheia comparando com a nossa própria.
Quando chegamos em ponto para o evento marcado as 10 horas da noite deparamos com o auditório praticamente vazio, éramos alguns dos primeiros a chegar. Os outros africanos começaram a chegar depois das 11 da noite e o show em si só começou depois da meia noite! Te faz pensar em alguma coisa similar no Brasil? Os poucos americanos presentes consultavam o relógio com um crescente sinal de incômodo. O que mais me incomodou porém aconteceria no ápice do show.
Antes disso eu estava me entretendo vendo as mulheres africanas, em sua maioria da Gâmbia e Senegal chegando com as roupas mais coloridas e exuberantes possíveis. Parecia que valia de tudo para chamar a atenção: Saltos altos à la perna de pau, verdadeiras pinturas de Van Goh nas caras, arranjos nos cabelos que mais lembravam bolos de casamento ou esculturas de arte moderna. Uma a uma chegando com toda a pompa e olhando as compatriotas de cabo a rabo. Perguntei a Sarjo, minha amiga, se na Gâmbia seria diferente e ela disse que não. Todo concerto parecia ser um evento para ver e principalmente ser visto. Mesmo depois que o show já tinha começado não era difícil ver as africanas tirando vários selfies com seus celulares.
Outra coisa curiosa de se ver eram as mulheres sentando todas juntas enquanto seus maridos se isolavam nos cantos e atrás do auditório, muitas vezes permanecendo em pé. Verdadeiro clube dos bolinhas e das luluzinhas (nesse caso lu-luzíssimas) em pleno concerto, lembrando que na cultura deles não é espantoso ver um africano chegando com suas quatro esposas. O próprio músico trouxe duas das suas três esposas da Gâmbia para os EUA para cantarem ao lado dele.
As “diferenças” não param por aqui. No evento que já não era muito barato (35 dólares), uma espécie de caixa é colocada na frente do artista, já conhecido por ser rico e ter uma das maiores casas na Gâmbia, para que os expectadores pudessem colocar mais dinheiro. Um assistente ficava a todo o momento contanto bolos e mais bolos de dinheiro (provavelmente o dinheiro que entrava dos ingressos do espetáculo) e colocava no bojo de seu instrumento de 21 cordas, na caixa em sua frente incentivando as pessoas para virem e depositarem mais. Não demorou e uma senhora enorme com sua roupa, salto e cabelo azul-do-mar-infinito com a carteira quase do tamanho de uma caixa de sapato (embrulhado para o natal) levantou de seu assento e com toda elegância, exuberância e fleuma caminhou calmamente até a frente do palco tirou algumas notas da sua carteira, colocou na frente do músico e voltou para seu assento. Depois dela dezenas de outros homens e mulheres repetiram o ato e muitos permaneceram lá na frente para dançarem a música enquanto mais e mais gente chegava com bolos de dinheiros e os lançavam ao palco à la Silvio Santos.
“Isso é para alguma caridade?”. Perguntava meu amigo chileno à minha amiga gambiana. “Não, é para ele mesmo!” Sua cidade de origem, uma das mais importantes da Gâmbia nem mesmo um hospital tem e todo aquele dinheiro enchia apenas seus bolsos. Mas porque? Será mesmo que todo aquele dinheiro era apenas para reconhecer suas habilidades artísticas? Não, no meu julgo aquilo era claramente uma tentativa de se expor e de se exibir. Não o cantor mas os participantes. Nessas horas o ego parece falar mais alto e então nada melhor do que mostrar à família e amigos o quão “rico” você é, dando dinheiro para o artista. No evento passado por exemplo uma mulher chegou a dar 3000 dólares (imagina o que isso não significa na Gâmbia onde o salário mínimo não passa de 20 dólares segundo essa fonte) ao cantor e ela acabou ganhando uma música com o seu nome.
Eu realmente fiquei incomodado com aquilo tudo e fiquei na tendência perigosa que todos temos de achar o quanto somos diferentes um do outro como seres humanos, justamente quando eu prego que quanto mais eu viajo mais eu percebo o quanto somos parecidos. Então eu comecei a me questionar: Qual a diferença desses africanos exibindo suas roupas e dinheiro dessa forma com tantos brasileiros exibindo seus carros novos, os piolhos de academia exibindo seus corpos na praia de Ipanema, adolescentes (que nunca correm) exibindo seus tênis de corrida com um N e seis amortecedores no solado, homens exibindo seus barcos nas Bahamas, padres exibindo seus crucifixos no pescoço na Etiópia, famílias exibindo suas casas na Flórida, hippies exibindo seu amor à natureza, homens no Laos e no Vietanm exibindo suas unhas enormes (sinal de que não trabalham no campo ou seja; são de classes mais altas), chineses exibindo seus dentes de ouro, eu exibindo o número de países que já conheci no topo desse blog?
O que parece diferença muitas vezes é mais uma prova de como somos parecidos. A essência é a mesma, o que muda é como refletimos e externalizamos cada orgulho individual de acordo com nossos costumes, cultura, grupos sociais e preferências. Somos todos providos de uma coisa que não entendo muito bem chamado ego que vez ou outra nos leva a querer ter um holofote em nossa direção. Se faz bem ou se faz mal não cabe a mim responder, mas ter a consciência de que alguém que mora lá do outro lado do mundo pode ser tão parecido comigo quanto eu gostaria nos ajuda a lembrar que somos partes de um círculo muito maior do que nossas peculiaridades nos fazem acreditar.
Conhece a música gambiana? Não? Veja um trecho do show aqui:
Nossa, Gusti, já venho lendo muitos textos do teu blog, mas esse me pareceu especialmente sincero. Não sou muito de comentar em blogs porque acho que muita gente já o faz e eu não vou dizer nada de novo, mas dessa vez a humildade do teu questionamento no fim do texto me tocou e eu tive que falar, porque é muito bonito.
O fato de tu te colocar no balaio das pessoas que se exibem é muito grande, e é verdade. Todos nós nos exibimos de alguma forma, acho que só não nos exibiremos quando estivermos iluminados haha Mas o que eu achei lindo foi a tua capacidade de expor essa “falha”, isso traduz uma liberdade tão grande e uma aceitação tão plena de quem tu realmente é. Não sei se é assim que tu te sente, mas foi isso que eu senti quando te li. Geralmente todos os da minha volta são “príncipes na vida”, é bom encontrar um humano por aí.
Obrigada por compartilhar, (:
Digamos que eu fiquei feliz em ler seu comentário e ver que você percebeu a mensagem que eu queria passar. Gosto de por sinceridade no que eu escrevo e nem sempre isso é fácil mas de uma certa forma liberta.
Obrigado por comentar, (:
Engraçado, Gusti, no Brasil (e em mundo todo), acontece uma coisa muito semelhante, que é a contribuição em certas igrejas. Eu pessoalmente nunca presenciei isso em igrejas que já fui (posso contar no dedos de uma mão), mas familiares já presenciaram na hora que eles pedem pra contribuir, cenas que gente dava bolos de dinheiro pra pastores que são já riquíssimos… provavelmente uma forma de bajular o próprio ego. Isso me faz lembrar de um artigo que vi ontem, falando do brasileiro egocêntrico: http://super.abril.com.br/historia/idiota-brasileira-804110.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super . Acho que isso é a falta de consciência social, de pensar no outro, na sociedade, no bem de todos. Infelizmente, isso é algo fortemente presente em países como o Brasil e outros países onde há muita injustiça e corrupção por todas as classes sociais. Por isso vejo muita semelhança ao Brasil nessa atitude que você viu ai, principalmente quanto a questão do ego, de querer estar acima dos outros e de se mostrar “melhor”. Mas acho que isso não seja qualquer forma de exibição, como alguém que expressa sua cultura, ideologia ou religião, mas especificamente uma forma de exibir poder sem pensar no outro.
Abraços!
Lucas, muito bom esse texto! Mostra bem a cara do brasileiro que acha que o problema está nos políticos apenas. Acho que o povo tem os políticos que merecem, porque são na verdade apenas um reflexo do que somos! Chega ser estarrecedor voltar ao Brasil depois de meses fora e encarar a realidade do nosso “PIB” (Perfeito Idiota Brasileiro), você vai sentir bem isso quando voltar, pode ter certeza! Um abraço!