Do rádio escuto: “SKYHAWK NOVEMBER 55473, big flock of migrating geese in the route north-northwest reported between 4500 e 6500 feet.” E respondo: “121.85, 55473 looking for traffic. Thank you”
É comum o controle de tráfego aéreo chamar atenção dos pilotos para tráfego em possível rota de colisão, mas receber o chamado para gansos em migração foi realmente mais um fato inusitado no meu voo solo de Los Angeles para Seattle. Infelizmente (ou felizmente) não topei com minhas companheiras aladas.
Com um motor novinho em folha tive a “árdua” tarefa de testar e voar o N55473 por 10 horas aos arredores de Los Angeles antes de seguir meu curso para o norte. Entre os destinos tive o prazer de voar pra Santa Inez, Santa Bárbara, Dagget, deserto de Mojave e sobrevoar algumas atrações clássicas de Los Angeles como o parque de montanhas russas, Six Flags. No fim de cada vôo o compartimento do motor era inspecionado e aprovado pra próxima aventura. Teste cumprido, N55473 parecia pronto pra cruzar as Américas, e lá fomos nós, N55473 e eu cruzando uma parte dela. Decolei de Los Angeles às 7:00, com plano de voo visual, e 20 minutos depois avistava meu primeiro desafio: Uma extensa camada de nuvens se estendendo pelas montanhas ao norte de Los Angeles. Como piloto de voo visual não tenho permissão para voar dentro das nuvens, mas como tinha combustível de sobra, pedi permissão para perder atitude e tentar voar entre a freeway I-90, os desfiladeiros e a camada de nuvens… Logo vi que seria péssima ideia. Girei 180 graus e no caminho de volta pra Los Angeles chamei o serviço de meteorologia pelo rádio. Com a informação que obtive, girei mais 180 graus e subi de 6500 para 10500 pés, 30 minutos depois havia sobrevoado as nuvens e a cadeia de montanhas e me encontrava nas planícies repletas de pomares da Califórnia. Algumas semanas atrás eu dirigi por aquela estrada de reta sem fim que eu seguia lá de cima. As estradas são realmente uma mão na roda (digo, na asa) para pilotos, como me disse Gúnar Armim, um dos melhores pilotos brasileiros. Como atrasei meu voo por conta das nuvens, refiz o cálculo de combustível e tive que pousar no Aeroporto Internacional de Fresno, que não estava nos planos. Enquanto eu taxiava pra bomba de combustível, dois caças americanos levantavam voo com aquele barulho de arrepiar. De tanques cheios e meteorologia checada mais uma vez levantei voo (com velocidade e barulho mais modestos que dos caças, claro), dessa vez com o cinto de segurança bem apertado já que havia alertas de turbulência na minha rota de voo. Os ventos fortes e as rajadas entre Fresno e Redding realmente me colocaram no teste de manter altitude e direção, já que não tenho piloto automático. O cessna 172 que tem boa fama pela sua estabilidade chocalhou bastante e as rajadas continuaram por todo o voo, inclusive durante o pouso. Com a mão na manete de potência preparado pra qualquer descendência , usando bastante leme e aileron pra corrigir o vento, pousei com segurança, mas confesso que tive que soltar um “ufa!” de alívio.
Uma das vantagens de ser piloto(mesmo privado!) é que muitos aeroportos nos oferecem várias mordomias como carros de cortesia por algumas horas, chofer para nos levar do aeroporto pro hotel, salas vip de descanso, tudo de graça. Tudo que temos que fazer é abastecer o avião para ter direito a esses mimos. E assim, no aeroporto de Medford, Oregon, deixei a bicicleta no avião e aceitei a BMW 535i 306cv bi turbo que me ofereceram para ir comer alguma coisa na cidade. É realmente interessante dirigir uma máquinas dessas que segundo a tabela Fipe custa mais de R$270.000 no Brasil, e a ironia foi dirigi-la para ir comer um sanduíche de $5 no Subway. É muito fácil se iludir com essas “riquezas”, mas estou certo que isso não se compara com as experiências que tenho tido com minhas pedaladas, como parar na beira da estrada para comprar mexericas de uma imigrante mexicana bater um papo e ganhar uma caixinha de morangos.
O segundo dia de viagem foi de muito planejamento, espera e pouco tempo de voo. Mas um dos mais inesquecíveis. Eu tinha que atravessar uma região de vales e montanhas (não tão altas) com um vulcão que se sobressai a mais de 4300 metros ao norte de Redding (Siskiyou Pass) mas a neblina só deixou o lugar pela tarde. As 14hrs decolei para um voo de não mais do que duas horas, mas com minha humilde experiência, aquelas horas foram as mais surpreendentes até agora, a paisagem repleta de lagoas azuis e montes nevados me impressionou tanto que junto com a euforia de escutar músicas (eu ponho um fonezinho embaixo do meu fone de piloto) e tirar fotos, por umas duas vezes escutei o centro de controle fazendo contato apenas com o nome e número do avião, Skyhawk 55473, sinal de que eles estavam tentando fazer contato anterior. Ooops. Voar ao lado do Mount Shasta é realmente hipnotizante, claro tirei foto até cansar. De frente, de lado, com a cauda do avião, com o cockpit, etc. Algumas delas (só algumas!) eu pus no meu álbum. Espero que não cansem de ver fotos de vulcão!
Solo flight Los Angeles to Seattle (April/May – 2011) |
O terceiro dia, foi um voo direto até Seattle. O tempo estava maravilhoso, com céu azul e o sol brilhando forte, mas foi realmente uma sorte já que a chuva tem predominado. Agora mesmo, um dia depois da minha chegada, escuto a chuva fazer sua melodia no teto do trailer onde vivo por aqui. Mas por mim ela pode continuar caindo porque logo começo meu treinamento de voo por instrumento , e a ideia é saber pilotar com proficiência sem nenhuma visibilidade, ou referência exterior. Assim estarei ainda mais preparado ara o meu voo ao Brasil.
Apenas esse ano tive a oportunidade de fazer o mesmo trajeto de carro, de linha aérea, de trem e agora pilotando um monomotor. Cada transporte teve suas vantagens e surpresas, e voar pode ser algo completamente normal para muitos pilotos, mas para mim tem sido a realização de um grande sonho que me faz ainda mais acreditar nas palavras do professor Paulo Iscold, “Viver é o que acontece quando sonhamos”.
hahaha… tive que rir da parte que vc não ouviu o atc porque tava escutando musica… tava ouvindo enigma? muito legais as fotos tb, me dá saudade de ver vulcões cobertos de neve na paisagem hehe… abraços
Thanks Aline! Estarei aproveitando com certeza!! 😉
That’s awesome Gustavo!!! wow, hehehe aproveita cada segundo dessa sua aventura. bjo