Com a velocidade que temos acesso à informação e com quase toda a superfície do globo mapeada pelo google, documentada por jornalistas e blogueiros, fotografada por fotógrafos, eu me pergunto: existe alguma aventura em viajar pelo mundo hoje em dia?
Mais do que eu gostaria eu tenho que me submeter a datas de passagem aéreas e me vejo gastando um tempo extraordinário planejando os próximos passos. Quanto mais informação disponível, mais eu mergulho nela e maior é o meu sentimento de sufoco diante de tantas possibilidades. Eu já passei um pouco da fase de querer ver tudo ao mesmo tempo, mas a pressão de escolher o que ver e o que fazer naquele espaço de tempo ainda me deixa um pouco frustrado. Me resta menos de um mês na Ásia antes de eu partir para um novo continente e quando eu estive no consulado da China na Singapura eu tive a difícil tarefa de montar um roteiro para apresentar no consulado na tentativa de ganhar o meu visto. E o tempo que nos foi concedido foram de apenas 12 dias! Sei que é impossível “conhecer” a China em 12 dias, mas mesmo a região onde focamos nosso tempo eu vi que eu poderia ficar muito mais. Inclusive estou certo que quero voltar e ficar no mínimo alguns meses!
Com uma data de saída da China marcada e as cidades categoricamente planejadas, todas as fotos e descrições dos lugares que o google tem me dado, horários de trem planejados, onde eu eu iria encontrar a aventura dessa viagem? A minha viagem ideal é quando eu não tenho nada pré-definido, principalmente data limite para ir embora. Não era esse o caso.
O que é uma aventura, afinal?
A palavra aventura acaba se banalizando em qualquer coisa que não seja sentar no sofá, ver tv e se entreter com um celular. E existe uma indústria grande por trás disso. O chamado “turismo de aventura” está por toda a parte tentando te convencer a pular de bungee jump, andar em elefantes que são castigados para se comportarem com os turistas nos seus lombos, fazer a “trilha inca” com centenas de turistas pagando por uma das experiências mais caras do Peru, ou mesmo subir o Everest em meio ao lixo que se formou no trajeto, incluindo as dezenas de corpos humanos abandonados pelo caminho.
Uma aventura no entanto vai além do que uma dose de adrenalina no sangue ou se submeter a um esforço para você poder divulgar nas redes sociais: “Eu fiz isso” ou “subi aquilo”. Ainda assim você pode encontrá-la nas coisas mais pequenas.
Uma verdadeira aventura parece acontecer quando nos expomos ao que é desconhecido, quando nos deixamos levar pelos acontecimentos inesperados.
Mesmo com todas as cidades planejadas antes de ir para a China o inesperado, como sempre, nos pegou de surpresa, mas dessa vez de uma forma não muito agradável. Eu e o William pegamos uma gripe forte e tivemos que diminuir o ritmo da viagem. Acabamos conhecendo bem menos que o planejado e ficamos a maior parte do tempo numa cidadezinha que nem estava nos planos. Yangshuo é uma vila incrustada no meio de umas montanhas pontudas e apesar do cenário ser impressionante, uma das melhores partes da viagem foi ser voluntário em uma escola da cidade. O Rafael e eu fomos convidados para dar aula de inglês (na verdade só manter conversa com os alunos chineses) em uma escola em troca de acomodação e comida e essa foi uma aventura interessante.
A china é um país complexo e apenas a experiência de estar lá e lidar com todos os desafios que ela apresenta para nós, ocidentais, já é uma grande aventura. A barreira linguística é esperada mas ainda assim ela cria vários desafios diários. Suas cidades gigantescas, como Guangzhou que eu nunca tinha ouvido falar, exemplificam bem o que significa um país com 1.3 bilhões de habitantes, ou se preferir um planeta com 7 bi. A competitividade para tudo é muito clara. Seja para entrar no metrô, nas salas de aula, para atravessar a rua, você vê dezenas se não centenas de chineses correndo para chegarem primeiro.
Tentar entender a China já é uma aventura em si. Cada dia que eu passava lá menos eu entendia aquilo tudo. Um país de partido único, comunista, do povo, mas com um sistema capitalista assustador, massacrante, desumano. Um dos países mais antigos do mundo com muito de sua história e arte destruída. Sua muralha, seus soldados de terracota e templos são apenas uma ínfima parte do que restou de uma cultura antiga e rica. O trânsito caótico, as buzinas constantes, as comidas mais estranhas do mundo (comida chinesa na China não tem anda a ver com a comida chinesa que a gente ve no ocidente), a poluição exagerada, as cidades cinzas, os contornos impossíveis de seu relevo,a beleza de suas plantações, o sorriso dos velhinhos trabalhando até os últimos dias de vida, as viagens em trens lotados, o cruzar das ruas, a proibição ao uso do facebook, as refeições diárias, em tudo isso eu vivi uma pequena aventura.
O segredo de uma aventura não está em procurá-la cuidadosamente mas viajar de certa forma que ela que te encontra
E se no inesperado encontramos as aventuras de nossas vidas, a verdade é que não precisamos nem viajar para aventurarmos. A aventura da sua vida começa com sua atitude em casa, no seu bairro, no seu dia-a-dia. No estranho que você conhece no metrô e acaba ficando amigo, no desvio do trânsito que te leva para conhecer uma área da sua cidade que você nem conhecia e até mesmo nos acontecimentos ruins, no acidente de carro, no tombo na rua, nas oportunidades disfarçadas. As consequências de cada acontecimento são únicas e enxergar um significado e uma lição é a melhor parte de uma aventura.
Amei Isso Tudoh,Parabéns Pelo Texto Muito Bem.Suas Palavras São Lindas e Elas Mim Insentivaram. Obrigada
Mais um post muito maneiro, Gustavo!!! Em tempos de redes sociais acho que essa busca por fotos nos mais variados lugares do mundo se intensificou e a aventura real das viagens ficou um pouco rendida… Curti muito as sugestões e vou tentar aplicar nas próximas viagens como tentativa de recuperar um pouco dessa experiência que só o inesperado pode trazer! Valeu, mais uma vez!
Obrigado Rodolpho pelo comentário e boas viagens! 🙂
Conhecimento, conquista ,entendimento,revelação do desconhecido,ir além de…Concordo que tudo que buscamos,também nos busca e se agirmos em prol do nosso objetivo,o que buscamos nos encontrará. A vida é feita de soluções inteligentes e não devemos ignorar os desafios do dia a dia. Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos de sempre indo para os mesmos lugares.É o tempo da travessia:e se não ousarmos fazê-los, teremos ficado, para sempre, a margem de nós mesmos. Valorize cada momento!Um grande beijo.
Lindas palavras! Eu acredito nessa lei da atração: “Tudo que buscamos, também nos busca” e quando você acredita nisso você pode ver seus maiores desejos se tornando realidade!
Beijos!
Cara, fantástico texto.
Gostei da frase: O segredo de uma aventura não está em procurá-la cuidadosamente mas viajar de certa forma que ela que te encontra.
Abraços
Ulisses essa frase é ótima, mas não é minha, é do Rolf Potts, de seu livro Vagabonding, conhece? Um abraço!
Acho que um filme do Indiana Jones descreve bem o que é aventura: passar por apertos, situações inesperadas, descobrir e explorar lugares desconhecidos, viver diversas emoções e fazer amigos pelo caminho. A Google realmente desfez um pouco dessa aventura de viajar, através da possibilidade de planejar o nosso percurso de antemão e de reduzir ao máximo a possibilidade de ter surpresas, sejam boas ou desagradáveis. Mas pra evitar isso, acho que basta resistir a tentação de se informar antes de viajar, e tentar descobrir tudo na marra. Porém, para certos lugares, acho que isso não seja uma boa ideia. A China por exemplo, é um país cujo contexto sócio-econômico-político é de sensibilidade particular: é uma ditadura “comunista” mais capitalista do que tudo, com severos abusos de direitos humanos, como restrição a liberdade de informação, expressão, etc., com uma relação paradoxal com o oeste, relação de “parceria/competição” econômica, controvérsias políticas, e mesmo com os próprios vizinhos, com suas incessantes disputas de terras e águas. Como se já não bastasse isso tudo, ainda tem o aspecto cultural, que eu acho que nenhuma preparação seria suficiente pra te preparar ao que você vai encontrar. Mas eu tenho a impressão Gusti, que aquilo que mais te incomodou foi a restrição da sua estadia ai, o que deve ter te forçado a planejar o seu itinerário pra tentar aproveitar melhor um lugar tão complexo. Mas como você mesmo disse no post sobre roteiros de viajem (http://www.vagamundagem.com/o-melhor-roteiro-de-viagem/#comment-324), esse sentimento de controle sobre a viajem é superficial, pois mesmo planejando o trajeto, a gente não planeja imprevistos, interações culturais e sociais, quem a gente encontra no caminho, etc., não é?
Abraços!
Lucas,
Você captou o que eu quis de certa forma dizer: Esse sentimento de controle sobre a viagem é sim superficial. As próximas postagens sobre as minhas experiências na China provam isso!
Um abraço!